Atualmente, o Vouguinha é uma memória de saudade ainda viva nos severenses. Em lugar dos carris e do comboio a vapor, circulam as bicicletas e as longas caminhadas de quem quer desafiar o ritmo e as cadências dos tempos imemoriais.
O rio Vouga, que nasce junto à Senhora da Lapa, em terras de Sernancelhe, era apenas navegável da freguesia de Pessegueiro do Vouga até Aveiro. A partir daí carregava-se o burro, ou a diligência, e calcorreavam-se caminhos milenares, não muito diferentes daqueles que os romanos haviam construído. Era difícil aqui chegar… e era difícil partir. Era o tempo dos almocreves, que com muitas dificuldades transportavam o sal e o peixe para as terras beirãs.
Depois, veio o tempo do comboio, uma das grandes novidades do século XIX que a máquina a vapor proporcionou. A linha férrea do Vale do Vouga foi pensada para ligar Espinho e Aveiro, e continuar pelo interior até Viseu. A cidade da Guarda, desde 1882, tinha já o comboio em andamento através da linha da Beira Alta, em direção a Espanha. Entretanto, na estação de Santa Comba Dão nasceu, em 1890, a linha do Dão, que seguia até à cidade de Viseu, permitindo uma ligação à Figueira da Foz e a Espanha. Faltava agora a ligação a Aveiro através do Vouga, para que o interior beirão estivesse bem servido pela via-férrea. O comboio traria um milagre económico, fazendo uma ligação direta das regiões agrícolas e mineiras, localizadas no Portugal profundo, aos portos atlânticos.
A chegada do comboio a terras de Sever anuncia-se em 1889, enchendo de júbilo os representantes municipais e a população local. Todavia, o primeiro troço, entre Espinho e Oliveira de Azeméis, de 33 km, só seria inaugurado por D. Manuel II a 23 de Novembro de 1908. Seguiram-se mais 20 kms até Albergaria-a-Velha, e, finalmente, a 8 de Setembro de 1911, o comboio chega a Aveiro, a partir de Sernada. Primeiro chega-se à foz do rio Mau, depois a Ribeiradio e continua-se até Vouzela.
Em 5 de Fevereiro de 1914, inaugura-se a chamada linha do Vouga, construída em dois anos. No total, a linha entre Espinho-Vouga e Viseu tinha 140,586 km. Pelo percurso fizeram-se várias terraplanagens, edificaram-se túneis e outras obras, de que se destacam as pontes do Poço de S. Tiago, em Pessegueiro do Vouga e do Pego, em São Pedro do Sul, construídas em alvenaria aparelhada com vãos de grandes dimensões. Todavia, estes anos não foram fáceis. A primeira guerra mundial, seguida da crise do carvão, as vicissitudes políticas portuguesas, depois da implantação da República em 1910, a pneumónica, as greves, a crise económica, trouxeram muitas dificuldades. Contudo, o tráfego consolidou-se e a região desenvolveu-se por via do caminho-de-ferro, que, agora, dois mil anos depois da chegada dos romanos, tinha uma via aberta até ao mar.
Nos anos 30, considerava Armando Ferreira, na Gazeta dos Caminhos-de-ferro, que “o Vale do Vouga, na sua pequena quilometragem consegue ter, talvez, a maior extensão de panoramas assombrosos da nossa terra”, o que lhe dava um grande valor turístico. Cenários naturais deslumbrantes, túneis, pontes de cortar a respiração e o rio Vouga sempre por perto a emergir aqui ou ali, um túnel após o outro, numa ponte quase suspensa, ou adivinhando-se num vale mais distante do olhar. O "Vouguinha", como passou a ser chamado, assim se manteve, durante quase um século, como alavanca do desenvolvimento económico e turístico da região. Por fim, nos inícios da década de noventa, o automóvel e as novas estradas ditaram-lhe o fim.